O meu gato felpudo aqui pedindo pra ser acariciado, bailando entre minhas pernas magras. Eu não sei mais o que fazer quanto ao cigarro. Ele ainda me mata. Meu velho amigo. O gato dá um miado arisco e estridente quando eu o pego de maneira desajeitada e o jogo na minha cama. Ele não gosta de ser rejeitado. Fica num canto me olhando, parece que trama algo pra se vingar.
Das minhas caminhadas em Praga eu trago meu silêncio, e o gosto do tabaco praguense, que eu tragava pensando em Kafka. As ruazinhas estreitas cheias de surpresas, o formato simétrico das casinhas e de seus telhados homogênios me trazem saudade. De vez em quando aqueles vendedores compulsivos de souvenirs me chateavam, e minha cabeça começava a rodar, com suas vozes no fundo, me chamando, -matriochka!. Aquilo me irritava e eu fazia gestos obcenos pra eles. Ca-ra-lho.
Eu ficava ziguezagueando tonta por aquelas ruas, e o calor me fazia obcena. Eu sentia os hormônios fervilhando, me sentia à flor da pele. Mas a tontura continuava. E eu sempre lembrava do gato, ele estaria sem comida em casa a essa altura. E lembrava do dono da pensão, ele era tão italiano e destoava tanto da Praga que entendia Mosart. Com aqueles berros inconvenientes e uma pose dispensável de homem maduro ele me incomodava. Se ele me aparecesse naquele momento, eu dava pra ele ali mesmo. Mas daquele jeito bem impessoal, eu só abriria o ziper de suas calças imundas e me deixaria ser tragada.
Que nem eu fazia com aquele cigarro forte, meio sem pretensão, sem gosto, sem alma, e eu continuava caminhando tonta por aquelas ruas. E o gato deve estar rosnando em casa...
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