23.8.13





"Debaixo da pele o corpo é uma fábrica a ferver,
e por fora,
o doente brilha,
reluz,
com todos os poros,
estilhaçados"

***

"É preciso amar o inútil.
Criar pombos sem pensar em comê-los; plantar roseiras sem pensar em colher rosas; escrever sem pensar em publicar; fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. 
A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas. 
A música... 
Este céu que nem promete chuva... 
Aquela estrelinha que está nascendo ali... está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os Reis Magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... Não faz nada. Apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil.
Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza."
[Lygia Fagundes Telles - Ciranda de Pedra]


***

"Talvez culpa minha, talvez... O meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!"
[F.E., in Carta n. 147]


***

"Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
(...)
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase."
(PL)


***

Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração
Quando fala comigo,
Quando eu sei ouvir


***

Solidão
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.

- Vinicius de Moraes

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