Daí que ontem em me deu um rompante cinematográfico e eu me peguei cortando os cabelos com raiva, muita raiva. Peguei uma tesoura grande do escritório do meu pai e me pus a picotar o cabelo todinho. Não foi uma atitude serena, pensada, feita com cuidado e muito menos com parcimônia.
Eu fui picotando mesmo, blocos enormes, que se dissociavam violentamente de mim e caiam toscos e inertes no chão do meu quarto.
Depois disso eu nem tive aquele momento de depois, sabe? Aquele silêncio após o ato, silêncio reflexivo. Eu simplesmente voltei pra cadeira na frente do computador e fiquei compulsivamente dando f5 no Yahoo, no facebook; abrindo e fechando as janelas do word e do powerpoint com meus slides da pesquisa.
Claro que depois, bem depois, bem no fundo da noite, eu me pus a chorar baixinho, e aquela sensação horrível de solidão tomou conta até do meu dedinho do pé. Eu amassava minha tartaruga de pelúcia e derramava lágrimas de covardia nela.
E daí que hoje eu fui ajeitar a merda com o Kaká. Ele me chamou de "praticamente a garota interrompida". Disse pra eu ficar calma, pq esses rompantes acontecem nas melhores famílias.
Eu disse pra ele dar vazão à criatividade dele e não é que ele me fez um corte muito louco? Nunca tive o cabelo tão curtinho e repicado, me dava um nervoso enquanto ele brincava com aquela tesoura. Eu comecei a suar na cadeira. Mas daí ele ficava acariciando meu ego, dizendo que eu não compactuo com a estética da mulher portoalegrense, que eu devia ter nascido na França, que eu tinha um ar blasé e desapegado que era tudonessavida. E que um corte desconstruído tinha tudo a ver com a maneira que eu me vestia. Então tá.
Resultado: voltei pra casa mais feliz, com um curtinho-quase-nouvelle-vague [haha] [minha irmã vai me matar] e com a certeza que com um empurrãozinho, eu consigo ser um pouco corajosa.
Mas o inverno continua crescendo aqui dentro desse corpo, é óbvio.